cotidiano, literatura

Pula, viadinho!

Mesmo com seus pais presentes na beira da piscina, sou o único a incentivar meu sobrinho, “você também consegue!”, e ele sobe graciosamente o fim da pequena escada copiando os recentes movimentos do irmãozinho.

Um pé para cima, procura o degrau com a ponta do dedão, leva a cintura para um lado quase como uma dança, “tiooo, tá me vendo?”, meneia a cabeça evitando acenar, outro degrau. Sua mão desliza e faz ranger o metal com a delicada fricção, procura pelos olhos do pai.

Quer surpreende-lo repetindo o salto do caçula, mas meu irmão fita o jornal e finge ignorar os putos que caçoam e sempre caçoaram de seu magro Rafael. Vira a página, mais um fuxico, outro comentário ali, “é
o bichinha”, e risos, e soslaios, um dedo indicador no ar, galhofa.

Rafael chega ao topo, pensa, estende o pescoço para mensurar o desafio, sem soltar nenhuma mão das alças do corrimão. Plantas dos pés arqueadas evitam a umidade e a baixa temperatura da plataforma. Os olhos dos vizinhos parecem gravitar a sunga azul do menino, e o interior paulista segue com sua merda preconceituosa.

Pega impulso, reflete, vacila, essa demora me consome, difícil esperar mais. Dá um passo rápido e hesita com um sorriso sem mostrar dentes, estou farto, impaciente, cerro minhas mãos com força uma vez, duas vezes, mas agora me é impossível… e confesso, sozinho na voz e uníssono em pensamento, num bramido: “Pula, viadinho!”.

Comentários

Padrão

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *