cotidiano

Chico Buarque e o pretérito imperfeito

Estou cada vez mais intrigado com o uso do pretérito imperfeito no lugar do futuro do pretérito. Da próxima vez que eu for recriminado pelo uso de “Eu queria (quereria) um BigMac“, cantarei um Chico Buarque:

Ah, se eu soubesse não andava na rua.
Ah, se eu pudesse te diria na boa.
Ah, se eu soubesse nem olhava a lagoa.
Ah, se eu pudesse não caía na tua.

Repare que apenas a segunda frase emprega o imperfeito do subjuntivo + futuro do pretérito. Todas as outras utilizam o imperfeito do indicativo. Para ficar homogêneo, a segunda frase deveria ser “se eu pudesse te diZia na boa”, ou então todas as outras deveriam mudar (andaria/olharia/cairia), utilizando a norma culta.

A letra completa está aqui.

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4 comentários em “Chico Buarque e o pretérito imperfeito

  1. Karem disse:

    Nossa!!! eu nao sou brasileira, minha língua é o espanhol. A gente usa o futuro do pretérito corretamente (e só isso, Cervantes morreria mais uma vez se escutasse a gente falar) e acho muito difícil entender o significado do verbo Querer nesse contexto: Eu queria estar com você(está falando do passado ou do presente???)

    Com o tempo eu entendi que era um erro comum e aceito na fala…mais ainda faço confusão.

    Também achei um exemplo disso, a música da Ivete Sangalo e Luan Santana: Química do Amor (por favor nao critiquem minhas preferencias musicais, sou estrangeira e adoro todo quanto é música brasileira:

    “Queria ser um peixe e mergulhar no seu aquário
    Queria ser a data pra marcar seu calendário”

    Queria entender melhor sua língua!!! rs

    • Paulo Silveira disse:

      Karen, perfeita observação. Curiosamente o verbo querer é o campeão para o uso “semi formal” do pretérito imperfeito. Mas você perceberá que fazemos isso com _todos_ os verbos. “Ah! eu até comia (comeria) isso, mas hoje não quero”. “Será que dava (daria) para você sentar mais pra lá?”.

      E seu português é perfeito.

  2. Homero disse:

    Não vejo qual o problema em tal uso do imperfeito. É preciso distinguir prescrição gramatical de correção. Sobretudo quando se trata de poesia, como é o caso aqui, não faz sentido querer “corrigir” o poeta! O poeta é livre! Nada mais natural do que aproximar seu falar do falar popular, sem prejuízo para a língua ou para quem quer que seja.
    Provavelmente o verbo querer é a “vítima preferencial” porque soa mal, é muito cacofônico dizer ou cantar “eu quereria”, tente repetir “quereria” várias vezes e veja a dificuldade. O ouvido contemporâneo (parece) não apreciar essa sonoridade, e naturalmente tende a abandoná-la e buscar outras alternativas para substituí-la, assim como um dia outros falantes tenderam a reunir o verbo “habere” com um infinitivo e criaram um tempo que não existia, o futuro do pretérito, que aliás, inicialmente, deVIA ser antipatizado pelos gramáticos daquele tempo. É inocente pensar que o falante desta ou daquela língua emprega “melhor” este ou aquele tempo ou modo (sobretudo em coordenação ou subordinação). Cada língua adota suas estratégias, suas pragmáticas. Ou teremos todos, espanhóis, franceses, brasileiros, italianos e romenos, que admitir que falamos apenas um latim extremamente mal falado.

    • Paulo Silveira disse:

      bem observado Homero. eu gosto desse uso do imperfeito (e a língua evolui), só observei a mistura do imperfeito com o futuro do pretérito na mesma estrofe, o que gera um outro estranhismo.

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