literatura

Morte de Deus, fim da moral e o super-homem: Nietzsche e Dostoiévski

Na página 109 da tradução de Paulo Bezerra, é revelado o conteúdo do artigo de Ivan Karamazov:

… ele (Ivan Karamazov) declarou em tom solene que em toda a face da terra não existe absolutamente nada que obrigue os homens a amarem seus semelhantes, que essa lei da natureza, que reza que o homem ame a humanidade, não existe em absoluto e que, se até hoje existiu o amor na Terra, este não se deveu a lei natural mas tão-só ao fato de que os homens acreditavam na própria imortalidade. Ivan Fiodorovitch acrescentou, entre parenteses, que é nisso que consiste toda a lei natural, de sorte que, destruido-se nos homens a fé em sua imortalidade, neles se exaure de imediato não só o amor como também toda e qualquer força para que continue a vida no mundo. E mais: então não haverá mais nada amoral, tudo será permitido, até a antropofagia. Mas isso ainda é pouco, ele concluiu afirmando que, para cada indivíduo particular, por exemplo, como nós aqui, que não acredita em Deus nem na própria imortalidade, a lei moral da natureza deve ser imediatamente convertida no oposto total da lei religiosa anterior, e que o egoísmo, chegando até ao crime, não só deve ser permitido ao homem mas até mesmo reconhecido como a saída indispensável, a mais racional e quase a mais nobre para a situacão.

Já na conversa com o diabo (páginas 840), este cita um outro pensamento de Ivan Karamazov (curioso observar como Dostoievski prefere apresentar os profundos pensamentos de Ivan através de outras pessoas). Aqui aparece o Homem-Deus (человеко-бог). Seria o protótipo do super-homem (Übermensch) nietzschiano?

“Quando a humanidade, sem exceção, tiver renegado Deus (e creio que essa era … virá), então cairá por si só, sem antropofagia, toda a velha concepção de mundo e, principalmente, toda a velha moral, e começara o inteiramente novo. Os homens se juntarão para tomar da vida tudo o que ela pode dar, mas visando unicamente à felicidade e à alegria neste mundo. O homem alcançará sua grandeza imbuindo-se do espírito de uma divina e titânica altivez, e surgirá o homem-deus. Vencendo, a cada hora, com sua vontade e ciência, uma natureza já sem limites, o homem sentirá assim e a cada hora um gozo tão elevado que este lhe substituirá todas as antigas esperanças no gozo celestial. Cada um saberá que é plenamente mortal, não tem ressurreição, e aceitará a morte com altivez e tranquilidade, como um deus. Por altivez compreenderá que não há razão para reclamar de que a vida é um instante, e amará seu irmão já sem esperar qualquer recompensa. O amor satisfará apenas um instante da vida, mas a simples consciência de sua fugacidade reforçará a chama desse amor tanto quanto ela antes se dissipava na esperança de um amor além-túmulo e infinito.”

Comentários

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Um comentário em “Morte de Deus, fim da moral e o super-homem: Nietzsche e Dostoiévski

  1. Thiago dos Santos disse:

    Nunca vi tamanha insensatez junta. Acreditar que “Quando a humanidade, sem exceção, tiver renegado Deus” … “os homens se juntarão para tomar da vida tudo o que ela pode dar, mas visando unicamente à felicidade e à alegria neste mundo” é o mesmo que não acreditar na presente era, mesmo vendo-a face a face. A humanidade já caminha sem Deus, e o que vemos é o aumento cada vez maior das iniquidades. O homem esquece que é poeira, que a sua presença nessa terra é como vento. Não haverá justificativa para nós, quando, diante de Deus após nossa morte, viermos a dizê-lo: “Senhor, como eu poderia saber que você existe?” Somo como seres irracionais quando acreditamos no deus acaso e nos esquecemos do Deus Todo-Poderoso, buscado desde o início dos tempos por toda a criatura que olha para tudo o quanto existe e diz convictamente: Há um Deus que tudo fez!

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