literatura

O dilema dos gêmeos e o aborto

Minha esposa teve gêmeos. Rosana e Olívia.

Acredite, isto sempre foi um sonho. A emoção de ver as pequenas univitelinas é enorme. Idênticas. Sem mesmo uma pinta no rosto para diferenciá-las com facilidade. A maternidade Santa Gerovévia fez como pedimos: macacão roseado em Rosana, esverdeado em Olívia.

Rosana e Olívia

Consegue dizer quem é quem? Nós pensávamos que sim.

Os nomes foram escolhidos muito antes do nascimento. Rosana é a primogênita. Ela já estava mais posicionada como tal dentro do útero de minha esposa. Olívia, a mais ‘verdinha’, era o nome combinado da segunda a nascer, que veio ao mundo quatro minutos depois.

Três anos se passaram até a maternidade entrar em contato. Senhor Paulo? Depois de uma auditoria em nosso hospital, percebemos que cometemos um erro. Seus bebês receberam as pulseiras trocadas. Sim, Rosana é Olívia, e Olívia é Rosana.

Dilema dos nomes dos gêmeos

Rosana já atende pelo nome. Olívia também. O que fazer? Devo destrocar os nomes de minhas filhas? Afinal, Rosana não é a primogênita, como havíamos planejado. Para crianças com essa idade, parece-me haver apenas uma resposta: é tarde demais para realizar a destroca, além de que esse detalhe já perdeu a importância. Cada uma continua com seu ‘nome falso’, sem grandes sofrimentos.

E se a maternidade fosse mais eficaz? E se ela houvesse nos notificado prontamente, apenas uma hora após nosso contato com os bebês, ainda dentro do quarto? Destrocaria os nomes? Cada uma estava com uma cor diferente. Bastaria, a partir daquele momento, começar a chamar o bebê em rosa de Olívia, e aquele em verde de Rosana, além de trocar as pulseirinhas. Para este outro caso limítrofe, a resposta é fácil: eu realizaria a troca. A primogenitice de Rosana seria respeitada e Olívia seria a caçula, conforme o estranho desejo dos pais, sem dar nó na cabeça de nenhuma criança.

A brincadeira fica mais complicada quando avançamos mais as datas, de pouco em pouco. E se a maternidade telefonasse três dias depois? Você destrocaria os nomes dos bebês? Caso afirmativo, pense na sua resposta para o caso dela ligar apenas uma semana depois. Caso negativo, imagine a possibilidade da Santa Gervévia fazer contato ainda dentro do quarto, porém dez horas depois.

Qual é o limite para mudar sua decisão?

Deve existir um X onde você se sente confortável em dizer que, mesmo sendo contactado após X dias, você trocaria os nomes dos bebês. Depois desses X dias, você não trocaria mais. Perceba que, não importando o seu X em particular, essa é uma decisão muito estranha. Por que mudar o nome das crianças em até X dias é aceitável, e depois de X+1 dias, não é aceitável? Qual é a mágica que acontece entre esses dois instantes?

Parece até que tentamos adivinhar quando os bebês ganham consciência suficiente, ou que nós temos apego o suficiente, para que seus nomes estejam tatuados nos cérebros dos pais e/ou dos filhos. Como se esse momento fosse um instante. Mudar os nomes dos filhos pode ser uma decisão pequena. O aborto não é.

A questão do aborto

Começarei também pelos extremos.

Para muitos, a tal da alma aparece no dia da concepção. Com essa visão, não deveríamos abortar. O X da questão é 0 dias. Você só pode abortar até 0 dias depois da concepção.

Para outros, o bebê, mesmo depois do parto, ainda não tem significativos sinais de consciência. Como ele não tem um ‘eu’ bem definido, também poderia ser abortado em vida. Pode parecer um raciocínio desonesto, mas infelizmente não é. Alberto Giubilini, chefão do grupo de ética de Oxford, nos faz temer esse brave new world no artigo ‘After-birth abortion: why should the baby live?’. É um texto que indico fortemente ser lido em sua totalidade, seja você pró ou anti direito de aborto. Matar bebês não seria muito diferente de abortar aos 3 meses. Legalização do infanticídio?

Muitos defensores do direito de abortar não querem ir tão longe, obviamente. Pensando em grandes filósofos, Schwarzenegger diz que o limite são 6 dias, depois disso é anti ético. De acordo com artigo aleatório da scientific american, na vigésima quarta semana o nascituro está fisicamente preparado para a consciência. Se preferir algo mais palpável, o bebê pode se reconhecer no espelho aos dezoito meses.

baby_consciousness

Não é uma questão fácil. Não tenho respostas, mas a pergunta é latente: decidir o que é a vida, quando é vida, e a partir de que momento esse ser possui os mesmos direitos que eu, que você.

Há diversos outros dilemas onde é difícil se posicionar. O espectro de possibilidade é muito amplo. Poucos optarão pelos limites mais radicais. Grande parte ficará no meio termo, apesar de alguma incoerência. Do batizado dos gêmeos ao aborto. Do vegetarianismo à salvação de beagles e ratos.

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