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Ostentação diante da pobreza deveria ser crime? Justificativas estranhas de Leonardo Sakamoto

O Sakamoto possui um dos blogs mais conhecidos do Brasil. Trata de notícias do cotidiano de forma organizada, opinativa e muito interessante.

Hoje ele escreveu sobre os arrastões nos restaurantes paulistanos, politizando o assunto.

Sakamoto diz: “‎Não defendo essa opcão, mas sabemos que, dessa forma, o jovem pode ajudar a família…” em outras palavras “não defendo, mas já defendendo…”. Vá ver qual é a porcentagem dos criminosos que ajudam a família com o dinheiro dos assaltos a restaurantes. Piegas achar que ele assalta para levar leite para a família. Piegas, mentiroso, deceptivo. Por que o outro, na mesma situação, não foi também assaltar?

Eu também sou do espírito karamazoviano de que “todos somos culpados por tudo”. Mas achar que um problema melhoria de alguma forma com uma atitude dessas? De que todos devemos abdicar da vida, um Tolstoi, um Ghandi? Vai bem de encontro com a vontade de poder. É a favor da moral dos ressentidos. Só falta ele achar que vai herdar os reinos dos céus por abdicar o reino da terra…

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O problema do Bem

O problema do Mal é aquele dilema filosófico e religioso que soa pueril: por que o mal existe? Pergunto mais: o tal do bem existe? Quando você estende a mão para um necessitado na rua, o faz por por benevolência? Ou por interesse próprio? A gratidão do desconhecido, ou o reconhecimento do conhecido frente a sua boa ação tem valor inestimável. Sem eles continuaríamos a alimentar os pobres, fazer doações e ajudar o próximo?

Relatou a mãe de uma médica próxima à minha família, que sua filha disse: “Mãe, deixe-me estudar. Não estou fazendo isso por dinheiro ou para mostrar para alguém que eu sei, eu só quero saber cada vez mais enquanto viver“. Era a resposta para a crítica à sua carga exagerada de trabalho. Conheço a médica pessoalmente e sinto que falou honestamente. Mas não há alguma outra compensação, alguma forma de egoísmo, escondida por debaixo de toda ação altruísta? A resposta pode estar naquela coletânea de livros em que os sábios dizem encontrar todas as respostas. Isso mesmo, em Irmãos Karamázov, de Dostoiévski:

Eis a questao fundamental! É a minha questão mais torturante entre as demais. Abro os olhos e pergunto a mim mesma: aguentarias muito tempo esse caminho? E se um doente, cuja chagas lavasses, não te retrbiuísse imediatamente com a gratidão, mas, ao contrário, começasse a te torturar com caprichos, sem apreciar nem ligar para teu esforço humanitário, passasse a gritar contigo, a fazer exigências gorsseiras, até a queixar-se com algum superior…, o que farias? Teu amor continuaria ou não? Pois veja – eu mesma já conclui estremecida: se existe algo capaz de esfriar imediamente o meu amor “ativo” pela humanidade, esse algo é unicamente a ingratidão. Numa palavra, trabalho por dinheiro, exijo pagamento imediato, ou seja, que me elogiem e que amor com amor se pague. De outro modo não sou capaz de amar ninguém!

Sem a gratidão lavaríamos as chagas de outros? Talvez nem mesmo as nossas. Se ao ajudar um pedinte da rua, cuja sanidade já não podia ser verificada com precisão, você recebesse um soco no peito depois de comprar o croissant e leite que ele desejara? E depois, chocado e sem reação, com um volume grande de adrenalina no sangue, ouvisse-o vociferar de que ele é na verdade um policial árabe e mimicasse sacar um revólver da própria pele, como se ele estivesse dentro do seu rim, qual seria sua atitude? Na ausência da gratidão, na presença da ingratidão, você ofereceria a outra face, sem esperar recompensa na imortalidade?

No mesmo livro tem outra passagem que me impressiona. A mesma de onde parafraseamos como “se Deus não existe, tudo é permitido“. Ivan diz que o bem pode até existir, mas só existe pela crença na imortalidade, onde haveria gratidão ou acerto de contas:

… ele (Ivan Karamazov) declarou em tom solene que em toda a face da terra não existe absolutamente nada que obrigue os homens a amarem seus semelhantes, que essa lei da natureza, que reza que o homem ame a humanidade, não existe em absoluto e que, se até hoje existiu o amor na Terra, este não se deveu a lei natural mas tão-só ao fato de que os homens acreditavam na própria imortalidade. Ivan Fiodorovitch acrescentou, entre parenteses, que é nisso que consiste toda a lei natural, de sorte que, destruido-se nos homens a fé em sua imortalidade, neles se exaure de imediato não só o amor como também toda e qualquer força para que continue a vida no mundo. E mais: então não haverá mais nada amoral, tudo será permitido, até a antropofagia. Mas isso ainda é pouco, ele concluiu afirmando que, para cada indivíduo particular, por exemplo, como nós aqui, que não acredita em Deus nem na própria imortalidade, a lei moral da natureza deve ser imediatamente convertida no oposto total da lei religiosa anterior, e que o egoísmo, chegando até ao crime, não só deve ser permitido ao homem mas até mesmo reconhecido como a saída indispensável, a mais racional e quase a mais nobre para a situacão.

Uma reflexão sobre a base judaico-cristã do castigo, do galardão. Em o Lobo da Estepe, Hermann Hesse mostra esse conflito interno ao enxergar uma boa ação como inócua:

Por exemplo, se Harry, como homem, tivesse um pensamento belo, experimentasse uma sensação nobre e delicada, ou praticasse uma das chamadas boas ações, então o lobo, em seu interior, arreganhava os dentes e ria e mostrava-lhe com amarga ironia o quão ridícula era aquela nobre encenação aos seus olhos de fera, aos olhos de um lobo que sabia muito bem em seu coração o que lhe convia, ou seja, caminhar sozinho nas estepes, beber sangue vez por outra ou perseguir alguma loba.

Prefiro me abster desse pensamento.

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A produção teatral de Dostoiévski

Dostoievski Não há. Ele não escreveu nenhuma peça. Aqui no Brasil, depois da primeira grande tradução de Paulo Bezerra pela editora 34, Crime Castigo, Dostoiévski é o maior sucesso de releitura que eu possa imaginar. Isso trouxe diversas adaptações para os palcos brasileiros. Não sou um frequentador de teatro, mas dada a paixão pelo escritor eu assisti a algumas delas.

A primeira encenação foi a de Sonho de Um Homem Ridículo, no teatro Ágora, com Celso Frateschi. O ator e diretor parece ser realmente um fã. O texto, apesar de ter o estilo de monólogo de que eu gosto, não me empolga. A peça foi cansativa, mesmo sendo curta. Quem conhece o estabelecimento sabe como lá às vezes fica muito quente, o que creio ter atrapalhado bastante. Mas Celso não iria parar por aí…

Depois teve a encenação do meu livro favorito, Memórias do Subsolo. A peça é extremamente fiel ao texto e eu podia reconhecer diversas das frases que me marcaram muito, aquelas que a gente circula com lápis:

Todo homem tem algumas lembranças que ele não conta a todo mundo, mas apenas a seus amigos. Ele tem outras lembranças que ele não revelaria nem mesmo para seus amigos, mas apenas para ele mesmo, e faz isso em segredo. Mas ainda há outras lembrancas em que o homem tem medo de contar até a ele mesmo, e todo homem decente tem um consideravel numero dessas coisas guardadas bem no fundo. Alguém até poderia dizer que, quanto mais decente é o homem, maior o número dessas coisas em sua mente.

É o livro que deixa a todos inquietos: elogia os homens de ação, e também os ridiculariza, denunciando a inutilidade de tentar fazer algo frente a nossa insignificância:

Oh, se eu não fizesse nada unicamente por preguiça! Meu Deus, como eu me respeitaria então! Respeitar-me-ia justamente porque teria a capacidade de possuir em mim ao menos a preguiça; haveria, pelo menos, uma propriedade como que positiva, e da qual eu estaria certo. Pergunta: quem é? Resposta: um preguiçoso. Seria muito agradável ouvir isto a meu respeito. Significaria que fui definido positivamente; haveria o que dizer de mim. “Preguiçoso!” realmente é um título e uma nomeação, é uma carreira. Não brinqueis, é assim mesmo. Seria então, de direito, membro do primeiro dos clubes, e ocupar-me-ia apenas em me respeitar incessantemente.

A atriz Mika Lins foi excelente, sem o que eu consideraria exageros teatrais de interpretação, e a peça foi um sucesso, reestreiando por mais de uma vez.

Celso Frateschi dirigiu e atuou em mais uma peça, mais um monólogo, no teatro Ágora. Extraiu o texto mais extraído de Dostoiévski: o Grande Inquisidor, de dentro de Irmãos Karamázov. Não tem como não ficar perplexo com os ataques de um inquisidor espanhol ao encontrar Jesus reencarnado. Acusa-o de vir atrapalhar a ordem já estabelecida:

Eu te digo que o homem não tem uma preocupação mais angustiante do que encontrar a quem entregar depressa aquela dádiva da liberdade com que esse ser infeliz nasce. Mas só domina a liberdade dos homens aquele que tranquiliza a sua consicência.

Será que não pensaste que ele (o Homem) acabaria questionando e renegando até tua imagem e tua verdade se o oprimissem com um fardo tão terrível como o livre arbítrio?

A última peça, a que fui ontem com meu pai, é A Dócil, publicada em conjunto com Sonho de um Homem Ridículo. Um curto conto, amado por muitos, mas não por mim (passei a gostar um pouco mais depois de ouvir algums interpretações). A peça foi muito bem montada, iniciando e terminando do lado de fora, disputando a atenção dos transeuntes e dos fregueses de um boteco da avenida São João com jogos decisivos do Palmeiras e do Corinthians. Alguns recursos diferentes parecem ter sido acrescentados à montagem apenas pelo diferente. Houve uma combinação forte e interessante da narrativa em primeira pessoa do passado com os curtos diálogos no presente.

As três primeiras são monólogos, e a última um diálogo em que o narrador predomina 99% do tempo. Das quatro aquela de que mais gostei e que mais me absorveu foi Memórias do Subsolo.

Não fui à recente e elogiada encenação de O Idiota não só por causa da esdrúxula duração (8 horas divididas em 3 dias), mas também por ainda não ter lido a obra. Porém aproveitei a ocasião e assisti o debate entre Paulo Bezerra e Bóris Schneiderman, os dois principais tradutores. Lá pude perceber diversas opiniões muito diferentes da minha, e algumas frases memoráveis, como quando consegui conversar um pouco com o Paulo Bezerra e ele se referenciou à morte da usurária de Crime e Castigo como uma denuncia ao “dinheiro se assenhorando das relações humanas”. Aliás, esse tema é frequente em suas obras: o protagonista de A Dócil também é um agiota. Em outro momento Paulo Bezerra citou o que se especulava ser a continuação de Irmãos Karamázov: Aliócha tornaria-se o modelo do revolucionário socialista. Será? Dostoiévski morreu antes.

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Comida árabe em São Paulo

Comida árabe Algumas semanas atrás a Cecilia Fernandes me perguntou a respeito de restuarantes especializados em comida árabe. Foi ai que percebi que esta realmente é minha comida preferida, especialmente a não tão árabe esfiha, que não é um quitute encontrado com frequência no oriente médio, mas se consagrou no Brasil.

Comecei a responde-la com opiniões e dicas da família e o email ficou demasiadamende grande. Há muitos restaurantes em São Paulo onde podemos conhecer melhor a comida árabe, mas há em especial o “trio trivial” composto pela esfiha, kibe e coalhada seca. Destes, os que mais gosto são os libaneses e armênios. Aliás, a bandeira libanesa com o emblemático cedro é frequentemente encontrada nesses estabelecimentos. Vejamos:

Minha de familia costuma ir com frequência a Casa Garabed. É sem dúvida meu favorito, possuindo uma esfiha maior e diferente, além da coalhada seca com hortelã muito superior a qualquer um dos concorrentes. Tudo demora para sair do forno a lenha, como deve ser. Os 70 anos de tradição e ambiente pra lá de familiar (você entra pelo que era nitidamente a garagem!) fazem a gente se deslocar da zona Sul até o Santana quase que semanalmente. Entre os pratos menos óbvios, há o madzunov kiofte, que mistura o quibe e a coalhada com sucesso. Infelizmente fecha às 9 da noite, e o lugar é pequeno.

Existem outros dois que vamos pouco, mas são exclentes: o Tenda Do Nilo, próximo ao metrô Brigadeiro, que tem horários pouco convidativos e é minúsculo, é disputado a tapa e merece uma visita (não leve a família, não cabe!); e o SAJ na Vila Madalena, que não é pequeno mas como ganhou “melhor comida árabe” em algumas recentes revistas, vive lotado no fim de semana. Este último possui pães diferentes (um deles a base de zátar) e uma esfiha conhecida como “esticadinha”, pra lá de aconselhados. Nas proximidades do Tenda, no Paraíso, há o conhecido e espaçoso Halim, que eu particularmente não gosto, apesar de toda sua tradição: atendimento duvidoso e sem muita atenção.

Dos mais clássicos e conhecidos, tem o requintado e de atendimento excelente Arabia, e o conhecido dos ouvintes da CBN: o Folha de Uva. Ambos nos Jardins e mais pomposos, sendo que no Folha de Uva o clima é exageradamente sério e o buffet nunca me anima. O Brasserie Victoria, na Juscelino, tem um clima bem mais interessante com aquele balcão característico de muitas esfiharias, como o da casa Garabed. O espaço lá é amplo, mas não impede a fila de ser grande.

Fast-food? O Almanara nunca deixa a desejar, e há a opção de rodízio no centrão de São Paulo que para alguns (não para mim), é melhor que as franquias. Os restaurante menores, muitas vezes formados apenas de pequenos balcões, como o Jaber (que no Ana Rosa fica ao lado do já fechado e ótimo Catedral), costumam servir boa comida. Sim, Habibs ficou de fora.

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