cotidiano, literatura

A resistência de Ziraldo ao ebook

Acho interessante ver como ícones importantes das nossas vidas teimam em resistir a mudanças. De mudanças que eles consideram negativas, sem muito embasamento. Durante a bienal do livro de 2012, Ziraldo atacou o livro digital. Chamou até os filhos da geração atual de idiotas, ou algo bem próximo a isso. Eu não entendo os problemas de foco e atenção da geração Y. Ziraldo vai além.

Em vez de trabalhar junto com as mudanças, insistem apostar na contra mão, querem provar que o jeito deles é melhor que o da nova geração (aliás, a geração atual se tornou ‘idiota’ para Ziraldo). Para o bem ou para o mal, Ziraldo será engolido por essas mudanças.

Lembro de um artigo sobre a troca de imagens íntimas entre pré adolescentes através da internet. O articulista foi muito feliz e sensato, começando o artigo com algo como “essa exposição das crianças é um fato. elas vão enviar essas fotos. precisamos então saber como trabalhar com essa realidade”. Isso se aplica bem ao ebook.

Vou ulular ao dizer que haverá sempre espaço para o livro físico. Assim como há para o vinil, para o CD. Seja pela qualidade, intimidade ou por mera nostalgia. Difícil mesmo é saber se haverá espaço para ouvir as inseguranças de Ziraldo.

Claro que há pontos interessantes nas falas do Ziraldo, e que ele quer certamente melhorar a educação brasileira. “Bote um livro na mão do seu filho e ensine o domínio da leitura” é bom. Opinar que nossa geração (ou nossos filhos) está ficando idiota, não é. Aliás, parece uma dessas opiniões sem embasamento estatístico nenhum, dado que na nossa geração não apenas a elite tem acesso ao estudo. Parecido com o mito de que a violência está piorando no mundo.

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Dostoievski, Schopenhauer e a boa literatura

Tirei esta foto há 5 anos, em uma vitrine próxima ao túnel de travessia da Consolação. É utilizado como propaganda para o sebo que se encontrava por lá:

Essa crítica, aos autores populares e bem sucedidos em vida, não é nova. Schopenhauer possui um ensaio curto a respeito da literatura onde, além de recomendar ler duas vezes uma obra importante, ataca os autores contemporâneos, seus livros ruins e sua busca pelo dinheiro:

“They monopolise the time, money, and attention which really belong to good books and their noble aims; they are written merely with a view to making money or procuring places. They are not only useless, but they do positive harm. Nine-tenths of the whole of our present literature aims solely at taking a few shillings out of the public’s pocket, and to accomplish this, author, publisher, and reviewer have joined forces.”

E sobre o cuidado que devemos ter, para não ler esses livros “ruins”. A arte de não-ler.

“Hence, in regard to our subject, the art of not reading is highly important. This consists in not taking a book into one’s hand merely because it is interesting the great public at the time — such as political or religious pamphlets, novels, poetry, and the like, which make a noise and reach perhaps several editions in their first and last years of existence. Remember rather that the man who writes for fools always finds a large public: and only read for a limited and definite time exclusively the works of great minds, those who surpass other men of all times and countries, and whom the voice of fame points to as such. These alone really educate and instruct.

One can never read too little of bad, or too much of good books: bad books are intellectual poison; they destroy the mind. In order to read what is good one must make it a condition never to read what is bad; for life is short, and both time and strength limited.”

A conclusão vai longe, e contrapõe a fama contemporânea com a póstuma, colocando-as como mutualmente exclusivas:

“The great minds, however, which really bring the race further on its course, do not accompany it on the epicycles which it makes every time. This explains why posthumous fame is got at the expense of contemporary fame, and vice versa.

But I wish some one would attempt a tragical history of literature , showing how the greatest writers and artists have been treated during their lives by the various nations which have produced them and whose proudest possessions they are. It would show us the endless fight which the good and genuine works of all periods and countries have had to carry on against the perverse and bad. It would depict the martyrdom of almost all those who truly enlightened humanity, of almost all the great masters in every kind of art; it would show us how they, with few exceptions, were tormented without recognition, without any to share their misery, without followers; how they existed in poverty and misery whilst fame, honour, and riches fell to the lot of the worthless…”

E também em Dostoievski, no próprio Os Demônios, chamou-me atenção esta passagem que também discorre sobre autores contemporâneos:

“… todos esse nossos senhores são talentos de médio porte, que durante suas vidas costumam ser considerados quase gênios, mas quando morrem não só desaparecem da memória das pessoas quase sem deixar vestígios e meio de repente, como acontece que até em vida acabam sendo esquecidos e desprezados por todos com incrível rapidez, mal cresce a nova geração que substitui aquela em que eles atuavam. De certo modo, isso acontece subitamente entre nós, como se fosse uma mudança de decoração de teatro. Mas aqui não é absolutamente o que acontece com os Pushkins, Gogols, Molieres, Voltaires, com todos esses homens ativos que viveram para dizer sua palavra nova! Ainda é verdade que, no declínio de seus honrosos anos, esses mesmos senhores de talento de médio porte se esgotaram entre nós, e de modo habitualmente mais lamentável, sem que sequer o percebam inteiramente. Não raro, verifica-se que o escritor a quem durante muito tempo se atribuiu uma excepcional profundidade de ideias e do qual se esperava uma influência excepcional e séria sobre o movimento da sociedade, ao fim e ao cabo, revela que a sua ideiazinha básica era tão rala e pequena que ninguém sequer lamenta que ele tenha conseguido esgotar-se com tamanha brevidade. Mas os velhinhos grisalhos não notam tal coisa e se zangam. Justo ao término de sua atividade, seu amor próprio às vezes ganha proporções dignas de espanto.”

São opiniões fortes. Procuro ler as obras de autores já consagrados por um só motivo: tenho pouco tempo para ler, pouco tempo para literatura. “It would be a good thing to buy books if one could also buy the time to read them“. Tento seguir o que os mais conhecedores separaram, sabendo que dessa forma corro o risco de deixar para trás autores com quem poderia me indentificar ainda mais.

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iPad ou Kindle, qual é o melhor leitor digital?

comparativo entre ipad e kindle Em outubro li meus dois primeiros livros em leitores digitais. Li ambos utilizando o software Kindle Reader da Amazon, e variava entre usar o dispositivo Kindle propriamente dito e usar o iPad. Cheguei até a ler pedaços desses livros no reader no próprio Mac e em um celular Android, graças ao fundamental recurso de sincronizar entre aparelhos, possibilitando a leitura a partir da última “página” visitada.

Os livros foram The Humbling, do Philip Roth (na esperança de gostar tanto quanto Everyman) e We, de Yevgeny Zamyatin, precursor de 1984 e Admirável Mundo Novo. Ambos são curtos, mas demorei bastante para ler We, não sei exatamente o porquê: talvez a tradução do russo do começo do século XX para o inglês com palavras novas para mim, ou até mesmo os nomes dos personagens fáceis de confudir, pois são todos números.

Direto ao ponto: dado o peso e preço do iPad, além de sua difícil utilização mesmo para responder emails profissionalmente, o meu campeão é o Kindle. Se futuramente o iPad ficar menor e bem mais leve, poderá justificar seu preço alto. Resultado: vendi meu iPad praticamente sem uso e quero comprar o Kindle do meu pai.

Segurar um iPad sem apoio é bastante cansativo, e, mesmo minha literatura sendo noturna, é bastante incômodo ajustar sua posição até achar uma sustentável. Depois você fica naquele estado de tensão: não pode se mexer ou precisará reorganizar sua postura para que o peso do iPad não consuma toda ATP de seus pulsos. O Kindle é mais leve do que um livro de tamanho médio, sem contar seu tamanho. Já que nunca leio sob sol, o LCD do iPad não seria um problem. Nessa questão de luz, para mim, o Kindle perde um pouco: preciso ligar o abajur para utilizá-lo à noite.

Sobre o software do Kindle (Kindle Reader, para diferenciar do aparelho), que roda tanto no iPad quando no Kindle, ele é idêntico em ambos dispositivos. Acho que há ainda um longo caminho a percorrer: o software só possui dicionário inglês, não possibilita tradução de termos e palavras de maneira fácil e utiliza números e porcentagem em vez de páginas, que é bastante confuso e dá a sensação de você estar parado na leitura. Há pontos positivos que surpreendem, desde a sincronização que falei aqui, até a forma que ele indica as seções mais destacadas por outros leitores, mostrando um futuro promissor de como iremos compartilhar e debater mais os livros.

Algumas edições são péssimas. Desconfie dos preços baixos e leia os comentários. As publicações em português parecem ser oportunistas em sua grande maioria, até mesmo com digitalizações incompletas. Mesmo livros clássicos das principais editoras possuem graves erros, desde layout até de mispelling. Foi o caso com o We, e eu cheguei a dar uma estrela na amazon, dado erros crassos de digitalização (como o absurdo de trocar a letra I pelo número 1! onde está a revisão?). A Amazon respondeu dizendo que repassou ao publisher.

Não faz parte do papel de um leitor digital, mas sobre o quesito internet, onde o iPad deveria brilhar, ainda deixa a desejar: responder emails ou realizar qualquer outra tarefa que utilize o teclado virtual é um sacrifício, para não dizer impossível caso você não tenha um apoio. O browser do Kindle é realmente primitivo, mas se você só necessitar usar a internet em casos de emergência com o seu leitor, ele quebra o galho. Além de ter “3G ilimitado” no Brasil.

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