cotidiano, literatura

Quereria um Big Mac

– Boa noite, qual é o seu pedido? – diz o balconista mecanicamente
– Eu queria o número do Big Mac.
Queria? Não quer mais? – (seguido de risos)

Balconistas tiram sarro do meu português errado e gentil. Da próxima vez vou falar corretamente:

– Eu quereria o número do Big Mac.

“Quereria” é tão raramente usado que soa estranho. Há outros verbos na mesma situação, onde o erro fica bem mais evidente:

– Eu podia (poderia) comprar se tivesse o dinheiro.
– Eu até comia (comeria), mas estou sem fome.

O pretérito imperfeito lembra o futuro do pretérito em todos os verbos da segunda e terceira conjugação: “bebia“/”beberia” “pedia“/”pediria“. Na primeira conjugação, não há como errar: “cantava”/”cantaria”, “falava”/”falaria”, mas mesmo assim acontece: “Eu precisava falar com você” é uma expressão recorrente, mesmo quando o locutor ainda precisa dessa conversa. O verbo querer tem um particularidade: termina não apenas em er, mas em rer, fazendo o pretérito imperfeito ter a mesma terminação que o futuro do pretérito de todos os outros verbos: “queria” soa como “poderia” e “comeria“. O mesmo ocorre com “preferir”.

Para encontrar sua utilização corriqueira, googlei por “quereria”. Na primeira página, apenas um poema do Manoel Bandeira, que dará o toque pseudointelectual que faltava ao post:

O último poema

Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

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