cotidiano

O misterioso caso do colchão do presidente da NASA

Retirada do dente do siso. Cancelamento do seu vôo em última hora. Exposições do Romero Britto. Um textão político no Facebook. Tudo isso é fichinha perto da compra de um novo colchão.

Noites mal dormidas e dores nas costas são os primeiros sinais. O colchão é o mesmo há seis anos, hora de procurar um novo. “Alô mãe, onde compra colchão?“. Em São Paulo, há uma região para tal. Na Avenida Ibirapuera, próximo ao shopping. Infelizmente fui convencido a ir até lá.

Há cerca de 6 ou 7 lojas uma ao lado da outra, com nomes estranhos cheios de anglicismos. A primeira loja possui um amplo estacionamento, onde Marcela e eu somos recebidos, com um enorme sorriso, por Clayton. Clayton é eloquente e sempre sorri. Preferimos um colchão mais firme, e somos conduzidos para experimentá-los. O ritual é repetido inúmeras vezes. Deita-se de lado, com a cabeça em travesseiros plastificados, podendo estender os pés, mesmo calçados, em cima do colchão. Há uma curta capa protetora sobre essa parte da cama para evitar sujá-la. Todos se parecem muito, temos sorte de ter o atencioso Clayton por perto para explicar as sutis diferenças:

Molas ensacadas, isoladas, perfumadas, envelopadas e galvanizadas“. Não sei a diferença. Ah! Algumas vezes ele citava bambu. A ideia de dormir em bambus não me era agradável.

Tem a espuma da NASA“. Wow! Da NASA! O que isso quer dizer? Devo dormir naqueles sonhos em que você se sente em queda livre, para imitar um ambiente sem gravidade? É uma espuma que afunda de forma meiga, desenvolvida pelos ‘cientistas americanos’. E basicamente todos têm o tal material.

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Este outro é o colchão da suíte presidencial do Hotel Fasano“. Deve ser bom. Não conheço o hotel, mas tem o nome de restaurante caro. Além disso, presidente não deve dormir mal, não é mesmo?

Custa R$ 7.800, mas consigo fazer pra você por R$ 2.400“. Valeu, companheiro! Se não fosse Clayton, o que seria de mim?

Estava um pouco incomodado, achando o vendedor grudento demais e tentando me enrolar. Decidimos sair. Mas como? A insistência aumentou. O Colchão que sairia 2.400 reais já havia atingido incríveis R$ 2.000 redondos em 8x. Clayton nos avisou que a qualidade dos colchões da concorrente ao lado eram muito inferiores. Pediu por favor deixe aqui o carro, para você voltar à loja e comparar os colchões antes de comprar, tenho certeza que você vai voltar. Deixamos.

Tentamos a segunda loja. Ao entrar, o susto foi grande: por que tantos médicos saídos do hospital estavam comprando colchões naquele exato momento? Ah! Não eram médicos. Eram vendedores que usam jaleco. E o Dr Colchão então nos disse:

Essa marca é importada, e agora fabricam no Brasil“. A mensagem é dada de forma tão rápida que é impossível dizer ao certo se o produto é nacional ou estrangeiro.

É o colchão da suíte presidencial do Hotel Fasano“. Caramba. Você não leu errado. Outra marca que é usada no Fasano. Esse hotel muda de colchão como quem troca de lençol.

Perfect Super Elegant Comfort Extra Plus“. Que é melhor que a versão sem o Plus. Seja lá o que quer dizer. Só faltou ser gourmet.

Da terceira loja em diante, o procedimento se repete. Já experimentamos tantos colchões que não podemos dizer a diferença entre eles. Voltamos à primeira loja para buscar o carro, de maneira bem discreta para não atrair a atenção de Clayton, que deve ter ficado um pouco chateado de termos usado o estacionamento e não fechado a grande negociação de 7.800 por apenas 2.000.

Seis meses depois. Sim, seis meses pra passar o trauma. Um sábado com águas de março em São Paulo. Estacionamos na rua Augusta, corremos sem guarda-chuvas até mais uma loja de colchões. Experimento o primeiro. Sou o único, pois Marcela se nega. Não quer participar do drama. Cabeça no travesseiro, tênis em cima da capinha protetora. Danilo, o vendedor-sem-jaleco, diz que é o mais firme que possuem. Pergunto, com muito cuidado, qual seria o melhor colchão que a loja possui. Marcela prefere nem olhar. Ele aponta para um outro e se mantém quieto. Marcela vai ver travesseiros para passar o tempo, continua sem vontade de participar da busca sem fim. Danilo mostra mais um. Nenhuma menção a hotel algum. Nenhuma menção a uma agência espacial. Repito o ritual do teste, que novamente não indica muita coisa. “É esse!”. Em 30 minutos, estávamos saindo.

O colchão chega essa semana. Torço para que seja tão bom quanto dormir no tal hotel Fasano. Obrigado Danilo por me fazer recuperar a fé nos vendedores de colchões.

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