literatura

Onde passear com um gringo em São Paulo?

Eu sei. MASP, mercadão, prédio do Banespa, praça da república. Mas para onde mais? Recebi mais de 20 estrangeiros via CouchSurfing em São Paulo e tento aqui sumarizar meus lugares preferidos (e deles também).

Andar pela avenida Paulista é certamente um grande programa. Calçadas largas com sua própria cara. Andando da estação consolação para a Paulista, recomendo visitar o Conjunto nacional, que tem a Livraria Cultura, há Parque Trianon, o MASP (terça-feira gratuita e um restaurante bacana no andar de baixo), Itau Cultural, a Casa das Rosas. Importante: há um ponto de informações turisticas na Av. Paulista, 1853. Das 9 as 6 da tarde.

Nessa mesma região da Augusta há o Soul Café, o restaurante Balaio do Mocotó e o Acai Beach Bar, onde há o encontro semanal dos couch surfers. Dali é possível descer em direção aos Jardins e oscar freire.

Na região do parque Ibirapuera temos o MAM, o MAC, o Museu da Consciencia Negra e o restaurante Vista, um rooftop que vai fazer os gringos te agradecerem. A vista é estonteante para o parque e o obelisco. O instituto Butantã, o Zoológico e o jardim Botânico chamam bastante atenção para os gringos, mas ficam em pontos afastados da cidade.

Alguns acham brega, mas a grafite na Vila Madalena e o Beco do Batman fazem bastante sucesso, além de poder andar nos barzinhos, cafés, docerias e livrarias da região. Recomendo o La da Venda.

Chegando mais ao centro, temos o Pateo do Colégio, o centro cultural do Banco do Brasil, a praça São Bento (que tem canto gregoriano aos domingos). Subir no prédio do Santander (antigo Banespão) oferece uma vista linda e um café. Agende com antecedência. O edificio Matarazzo é um desses grandes e antigos com muita história (sendo desapropriado dos italianos na segunda guerra). Oferecia visita no topo, mas não mais.

A partir dali, para chegar ao essencial Mercado Municipal, passar pela Ladeira Porto Geral e 25 de março são experiências antropológicas. Cuidado com os preços do mercadão. Se for dar uma fruta diferente para o seu amigo, eu aconselho o mangostim.

Tem muitas outras coisas para conhecer: Parque da Luz, Estacao da Luz, o machucado Museu da Lingua Portuguesa, a incrível Pinacoteca e a Sala Sao Paulo, OSESP. O bairro da Liberdade agrada muitos, sendo que sábado de manhã há uma grande feira na região. Basta descer no metro.

Para visitar a noite, há o forró do Canto da Ema, o samba no Ó do Borogodó, ambos bem roots e que deixam qualquer gringo feliz. O bar Seu Chico e o Centro Cultural Rio Verde são excelentes opções.

Eu não gosto, mas os gringos curtem bastante o Museu do Futebol no estádio do Pacaembú.

E para comer? Infinitas possibilidades. Mas eu indico o sushi do Kan Sushi (precisa reservar, ha apenas 8 lugares), a coxinha do Veloso, o pão de queijo do la da Venda, um pastel e caldo de cana da feira, um brigadeiro, queijo coalho e carne seca. A pizzaria pode ser a Esperança ou a Quintal do Braz.

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cotidiano

Chocolates Bean to Bar no Brasil, por onde começar?

Chocolate Bean To Bar é algo que está na moda entre os foodies e gourmets. É aquele chocolate onde o próprio produtor realiza todo o processo de criação desde a amêndoa (grão) do cacau até o chocolate final. Isto é, não vale derreter chocolate já existente, misturar com outras coisas, e criar o produto. Precisa fazer todo o processo. Isso gera chocolates com sabores bem distintos um dos outros. E normalmente são utilizadas amêndoas de melhor qualidade.

Há algumas outras questões sobre o que deve ser considerado chocolate bean to bar ou não: vale colocar emulsificante? vale inclusões como castanha de caju? vale o tal “chocolate branco”? Acho que nada disso importa muito. O importante é que o produtor não esteja derretendo chocolates que nem mesmo a origem conhecemos. Não é à toa que, muitas vezes, os chocolates bean to bar vem com o nome da fazenda, cidade e estado onde o cacau foi colhido. É o “chocolate de origem”. Algo muito próximo do que ocorreu com o café nas últimas décadas depois do raio gourmetizador. Inclusive a secagem, torra e moagem são processos que também definem o sabor de cada chocolate.

No Brasil há uma assoaciação, a Bean To Bar Brasil, que inclusive organizou em 2018 uma primeira feira de produtores bean to bar. Comprei diversos lá mesmo, direto com quem coloca a mão da amêndoa do cacao:

Quero citar alguns deles, que são meus preferidos. Todos são caros, alguns mais caros :). Eu comecei com a Casa Lasevicius, que produz dezenas de diferentes tipos de chocolates das variadas fazendas do Brasil e do mundo. O Bruno e a Claudia produzem muitos chocolates com o mesmo teor de fazendas e tipos de cacau diferentes, o que faz a gente aprender que chocolates 70% podem ter cores, aromas e sabores muito distintos. Infelizmente é difícil de comprar online e você só encontra em alguns empórios e cafés hipsters em São Paulo.

Depois eu conheci o chocolate da Luisa Abram, que durante um tempo era utilizado no restaurante Tuju. Além de ser uma obra de arte, ela utiliza apenas cacau das comunidades ribeirinhas da Amazonia. O mais importante: é o único chocolate que eu comi sorrindo a variação acima de 80%. A Luisa recentemente ganhou vários premios da academia de chocolates de Londres, incluindo a cobiçada medalha de ouro para o seu chocolate 70% do Acari. Merecido.

O La Galette eu conheci mais recentemente. Apesar de o chocolate 70% deles ser muito amargo para o meu gosto, eles tem um “dark milk” de 56% que é muitíssimo doce! Esse talvez não seja a melhor e mais saudável forma de comer bean to bar, mas é o que mais tenho comprado. O 40% ao leite com castanha de caju é bastante premiado, mas dá-lhe açúcar.

Agora vem dois que são praticamente impossíveis de se comprar online e também de se encontrar em São Paulo. Mission Chocolate é a referência de todos esses fabricantes. A Arcélia é uma americana que fala um português fluente e trabalhou no famoso Dandelion de São Francisco (comi alguns e não gostei tanto asssim, prefiro os da Mission!). E uma surpresa que conheci na feira de bean to bar: Cuore di Cacao, de Curitiba. Uma barra de 70% com amendoa e sal. E outras criações com especiarias, coentro e outras cositas.

Esses são os meus preferidos. Há muitos outros bem famosos e muito bons, que podem agradar mais a você. Temos o Mestiço, Dengo e Raros Fazedores de Chocolates. Há alguns produtores maiores fazendo bean to bar, mas já com a cara de indústria grande. A Amma Chocolates (que tem um 80% cupuaçu que merece ser conhecido), a linha Pratigi da Chocolat du jour, entre outros.

Se está na dúvida do que comprar para começar a experimentar esse tipo de chocolate, eu diria para você comprar 3 deles. O 70% vermelho da Luiza Abram, o Dark Milk 56% da Gallete e a barra 70% com amendoa e sal da Cuore Di Cacao.

No Chocolatras Online é possível encontrar posts e eventos relacionados ao bean to bar. Lá também tem um vídeo explicativo do que é bean to bar. A Zélia também fez uma lista em 2017 com mais produtores do que eu relato por aqui.

Está com medo de engordar muito? Chocolate de alto teor de cacau é, surpreendentemente, mais calórico que o ao leite. Mas tem menos carboidratos e sacia mais, evitando que você coma sem parar. Medo de não gostar? Eu nunca gostei de Lindt 70%, 80%… sempre amarrou minha boca. Mas a adstringência dos que eu citei aqui é bem menor.

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literatura

Sites e truques para achar registros dos seus ancestrais italianos, portugueses e outros

Sempre achei cafona buscar a árvore genealógica da família. Comos e fosse uma corrida para se provar europeu. Bem, fui picado pela curiosidade, para deixar de herança para meus filhos. Além da consulta em cartórios do Brasil, que vão te dar datas e pistas importantes para achar seus antepassados, é fundamental consultar alguns sites da internet:

Para imigração mais recente, procure nessa coleção do family search, que indexou os cartões de imigração de 1902 a 1980:
https://familysearch.org/search/collection/2140223

Foi lá que encontrei os ta-tataravos ucranianos de minha filha, Andrei e Tatiana Turczyk, pais de Jakub; assim como os seus tataravos italianos, Pasquale Vulcano e Filomena Parrilla. Em um bonito cartão:

jakub_e_pais

paschoalino

Há diversas outras coleções de São Paulo no family search aqui. Mas alguns não estão indexados, como a hospedaria de imigrantes de 1882 a 1925.

Mas não se apavore! Você pode encontrar esses imigrantes mais antigos sem folhear cada página, indo no acervo digital do museu do imigrante ou no arquivo nacional:

Hospedaria de imigrantes, onde encontrei meus tataravos Valentino e Giulia Aiello e meus bisavôs Domenico Menegon e Maria Foratto:
http://200.144.6.120/memoriaimigrante/pesquisa.php?&tipo=Desembarque%20com%20base%20nos%20Livros

No museu do imigrante você também pode fazer semelhante pesquisa:
http://museudaimigracao.org.br/acervodigital/livros.php

E ter como resultado algo bonitinho e pomposo:
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Qualquer dica de outros sites é muito bem vinda!

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literatura

Julieta e o sumiço de Peppa

Eu tinha mais uma reunião na Avenida Paulista, às 16h00. Dessa vez no novo café do Mirante da 9 de Julho, que fica ao lado do MASP. Como estava na região do Paraíso, resolvi ir a pé.

Próximo ao hospital Santa Catarina, dois agentes do Greenpeace me dão ‘Boa tarde’ com os braços estendidos. Passo ileso. Avisto o senhor que vende ‘Papyrus importado do Egito’ e suas relíquias. É aí que encontro uma banca de bonecos artesanais e mesmo de longe reconheço a má educada Peppa Pig. Rónc rónc.

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Ela tem o tamanho ideal e cabe na minha bolsa. Penso: “A Julieta vai amá-la mais ainda”. A artista é simpática porém não me perdoa: R$ 30. “Faço R$50 se você levar o George”. Exagero, dáp só a menina. Passo o restante do dia imaginando qual será a reação da Julieta, minha afilhada de 2 anos, que aprendeu a dançar balé com esta porca e a madame Gazela.

Perto das 19h30 chego à casa de meus pais. Julieta está lá, com os avós. Ela percebe a existência de um pacote parece que pelo cheiro! “Pesenti”. Pede ajuda para abrir. “Peppa”. É isso aí, e o match é perfeito.

Depois da janta, meu pai decide buscar um remédio na casa de minha irmã, mãe de Julieta. Minha mãe e minha irmã ficarão em casa. Fica a 5 minutos de casa e eu aproveito para pedir carona. Minha afilhada não fica para trás e “qué passia”. Descemos os três para a garagem. “Péppa”! Sim, pode levar a Peppa. Descemos os quatro para a garagem.

Dentro do carro, preparamos Julieta no banco de trás. Percebo que ela se distraiu e deixou a porquinha ao lado da cadeirinha. Resolvo dar um susto na pequenina e coloco a Peppa em sobre o teto do carro, do lado de fora, só para escondê-la um pouquinho. Enquanto isso, temos diversos problemas com o fecho da cadeirinha.

Nunca imaginei que passaria por uma situação dessas. Fechar o cinto de segurança dessa cadeirinha é simplesmente rocket science. São três plugues que precisam se encaixar simultaneamente, sem muita clareza.

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Meu pai de um lado do carro, eu pelo outro, ambas as portas traseiras escancaradas. Parecíamos mecânicos em uma tarefa complicada. Tenta daqui, tenta dali e, somente depois da Julieta comunicar uma dica com os dedinhos, logramos êxito.

Partimos. O caminho até a casa da mãe de Julieta é bastante conhecido pela menina. Grita “Bolo!” indicando a proximidade da padaria que frequenta. “Farmácia!”, “Parquinhu!”, “Casa!” e continua acertando as diversas localizações. Ao chegar, meu pai decide subir ao apartamento de minha irmã sozinho para buscar o remédio e eu fico com Julieta aguardando no carro. Assim que a porta é fechada, Julieta me indaga: “Cadê Pêppa?”.

Cadê a porca!? Eu consegui concluir tudo em um átimo, mas ainda tentei procurar. No chão do carro? Nada. Ao lado da cadeirinha? Nada? “Peppa, peppa tiu Paulu”. No banco da frente? “Queru Péppa”. Até esse momento, ainda havia sorrisos no rosto da garota. O desespero tomava conta do meu. Maldita suína, eu a esqueci em cima do carro!

Abro a porta para olhar sobre o carro em uma tentativa que não tinha chance de sucesso: o caminho possui várias ladeiras. Peppa Pig escorregou em algum lugar do caminho. Uma porquinha tão jovem tinha poucas chances de sobreviver sozinha à noite nas ruas paulistanas.

Meu pai chegou enquanto eu ainda estava atônito. “Peppa, tiu Paulu”. Meu pai, ainda sem saber da história, formou coro com a neta: “Onde está a Peppa Juju”? Explico-lhe o ocorrido e ele dá risada ao mesmo tempo que pensa em uma solução. “Cadê Péppa? Peppa! PEPPA PEPPA PEPPA”. A situação piora.

Ligo para minha irmã. “Ana, você pode descer e fazer o caminho do carro?”. Ela decide sair à caça da pequena animala mesmo de pijamas, pois sabe da importância da missão. “Peppa, tiu Paulu, Juju quer Peppa”. Meu pai está me levando para casa e eu tenho elucubrações sobre quando poderei ir novamente à Paulista comprar uma nova Peppa, ou ao menos pechinchar o solitário George pelos R$20 de diferença.

De repente, via Whatsapp, recebo uma única mensagem da minha irmã. É uma imagem. Recomendo discrição ao rolar a página, pois a cena é forte.

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A porca passa bem. Julieta melhor ainda, mesmo sem ainda reencontrar o objeto de desejo. Meu pai me deixa em casa e eu vou me deitar com a tranquilidade de saber que minha afilhada terá uma infância tão boa quanto a minha: com desenhos duvidosos, tios que mimam e bonequinhos hipinotizantes.

Pela manhã, minha mãe me conta que Julieta dormiu agarrada à porca.

Titio bobinho.

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literatura

Le Bourgeois gentilhomme sou eu mesmo

Tinha lido a peça e pela primeira vez fui assistir a ela. Quem não se enxerga um pouco no senhor Jourdain? Querer conhecer as “belas coisas do mundo”, assim como os outros daquela outra classe social.

Durante a peça, o ponto mais encantador não foi descobrir que falo em prosa desde que nasci. Incrível foi ver, durante a lição do filósofo sobre as vogais, que não apenas o sr Jourdain estava ridiculamente praticando o a-e-i-o-u: a plateia toda, sabendo ou não, também repetia cada movimento do lábio ensaiado pelo professor.

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Dizem que algo parecido acontece com o Inspetor Geral. Espero ter a oportunidade de também vê-la encenada.

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cotidiano

O misterioso caso do colchão do presidente da NASA

Retirada do dente do siso. Cancelamento do seu vôo em última hora. Exposições do Romero Britto. Um textão político no Facebook. Tudo isso é fichinha perto da compra de um novo colchão.

Noites mal dormidas e dores nas costas são os primeiros sinais. O colchão é o mesmo há seis anos, hora de procurar um novo. “Alô mãe, onde compra colchão?“. Em São Paulo, há uma região para tal. Na Avenida Ibirapuera, próximo ao shopping. Infelizmente fui convencido a ir até lá.

Há cerca de 6 ou 7 lojas uma ao lado da outra, com nomes estranhos cheios de anglicismos. A primeira loja possui um amplo estacionamento, onde Marcela e eu somos recebidos, com um enorme sorriso, por Clayton. Clayton é eloquente e sempre sorri. Preferimos um colchão mais firme, e somos conduzidos para experimentá-los. O ritual é repetido inúmeras vezes. Deita-se de lado, com a cabeça em travesseiros plastificados, podendo estender os pés, mesmo calçados, em cima do colchão. Há uma curta capa protetora sobre essa parte da cama para evitar sujá-la. Todos se parecem muito, temos sorte de ter o atencioso Clayton por perto para explicar as sutis diferenças:

Molas ensacadas, isoladas, perfumadas, envelopadas e galvanizadas“. Não sei a diferença. Ah! Algumas vezes ele citava bambu. A ideia de dormir em bambus não me era agradável.

Tem a espuma da NASA“. Wow! Da NASA! O que isso quer dizer? Devo dormir naqueles sonhos em que você se sente em queda livre, para imitar um ambiente sem gravidade? É uma espuma que afunda de forma meiga, desenvolvida pelos ‘cientistas americanos’. E basicamente todos têm o tal material.

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Este outro é o colchão da suíte presidencial do Hotel Fasano“. Deve ser bom. Não conheço o hotel, mas tem o nome de restaurante caro. Além disso, presidente não deve dormir mal, não é mesmo?

Custa R$ 7.800, mas consigo fazer pra você por R$ 2.400“. Valeu, companheiro! Se não fosse Clayton, o que seria de mim?

Estava um pouco incomodado, achando o vendedor grudento demais e tentando me enrolar. Decidimos sair. Mas como? A insistência aumentou. O Colchão que sairia 2.400 reais já havia atingido incríveis R$ 2.000 redondos em 8x. Clayton nos avisou que a qualidade dos colchões da concorrente ao lado eram muito inferiores. Pediu por favor deixe aqui o carro, para você voltar à loja e comparar os colchões antes de comprar, tenho certeza que você vai voltar. Deixamos.

Tentamos a segunda loja. Ao entrar, o susto foi grande: por que tantos médicos saídos do hospital estavam comprando colchões naquele exato momento? Ah! Não eram médicos. Eram vendedores que usam jaleco. E o Dr Colchão então nos disse:

Essa marca é importada, e agora fabricam no Brasil“. A mensagem é dada de forma tão rápida que é impossível dizer ao certo se o produto é nacional ou estrangeiro.

É o colchão da suíte presidencial do Hotel Fasano“. Caramba. Você não leu errado. Outra marca que é usada no Fasano. Esse hotel muda de colchão como quem troca de lençol.

Perfect Super Elegant Comfort Extra Plus“. Que é melhor que a versão sem o Plus. Seja lá o que quer dizer. Só faltou ser gourmet.

Da terceira loja em diante, o procedimento se repete. Já experimentamos tantos colchões que não podemos dizer a diferença entre eles. Voltamos à primeira loja para buscar o carro, de maneira bem discreta para não atrair a atenção de Clayton, que deve ter ficado um pouco chateado de termos usado o estacionamento e não fechado a grande negociação de 7.800 por apenas 2.000.

Seis meses depois. Sim, seis meses pra passar o trauma. Um sábado com águas de março em São Paulo. Estacionamos na rua Augusta, corremos sem guarda-chuvas até mais uma loja de colchões. Experimento o primeiro. Sou o único, pois Marcela se nega. Não quer participar do drama. Cabeça no travesseiro, tênis em cima da capinha protetora. Danilo, o vendedor-sem-jaleco, diz que é o mais firme que possuem. Pergunto, com muito cuidado, qual seria o melhor colchão que a loja possui. Marcela prefere nem olhar. Ele aponta para um outro e se mantém quieto. Marcela vai ver travesseiros para passar o tempo, continua sem vontade de participar da busca sem fim. Danilo mostra mais um. Nenhuma menção a hotel algum. Nenhuma menção a uma agência espacial. Repito o ritual do teste, que novamente não indica muita coisa. “É esse!”. Em 30 minutos, estávamos saindo.

O colchão chega essa semana. Torço para que seja tão bom quanto dormir no tal hotel Fasano. Obrigado Danilo por me fazer recuperar a fé nos vendedores de colchões.

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literatura

O nascimento da consciência

Hoje, li um trecho de Brodsky, na eterna tentativa de obter algo de cada nobel da literatura. Curiosamente o texto aborda uma questão da que sempre gostei: em que momento nasce a consciência em uma criança? Quando é que passamos a ser?

A definição de Brodsky pode ser poética, mas sem dúvida interessante: “a verdadeira história da sua consciência começa com sua primeira mentira“.

Ele ainda relembra a primeira mentira que contou na vida. Na União Soviética, ele precisava preencher o formulário de cadastro para a professora. Há o campo cidadania e o campo nacionalidade. Em cidadania, ele era russo, mas na nacionalidade respondeu não saber. Mentiu. Sabia que era judeu. A professora mandou voltar pra casa e perguntar aos pais. Tanta coisa ao mesmo tempo…

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Lembra-me seu conterrâneo e também vencedor do Nobel. Nabokov disse que a literatura não nasceu quando alguém contou uma história, e sim quando o menino mentiu que havia um lobo e gritou por ajuda. O cry wolf.

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literatura, religião

A definição de niilismo?

Pondé diz uma coisa, seu professor diz outra e encontramos uma terceira abordagem em Dostoiévski. Passivo, ativo, contemporâneo, trasnvaloração, nenhum valor, etc. Tenho bastante dificuldade.

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Lendo o Homem Revoltado, de Camus, encontrei algumas citações a Nietzsche que parecem se encaixar bem. Infelizmente Camus cita Nietzsche livremente, sem fazer a referência a qual aforismo de qual livro se trata.

“O niilista não é aquele que não crê em nada, mas o que não crê no que existe.”

Para mim, essa definição ajuda bastante. Outras passagens reforçam:

Se o niilismo é a incapacidade de acreditar no que existe, seu sintoma mais grave não se encontra no ateísmo, mas na incapacidade de acreditar no que existe, de ver o que se faz, de viver o que é oferecido“.

Um exemplo disso? “O cristianismo acredita lutar contra o niilismo, porque ele dá um rumo ao mundo, enquanto ele mesmo é niilista na medida em que ao impor um sentido imaginário à vida impede que se descubra seu verdadeiro sentido“. E passa a também raciocinar sobre o niilismo do socialismo.

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literatura

Orgulho e Preconceito na Quarta Extra

Quarta Extra. É com esse nome que se chama a grande promoção que o supermercado realiza toda quarta feira.

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Na semana passada, estive no Extra da Ricardo Jafet com Marcela. Aberto 24 horas. Gigantesco. Posto de gasolina em frente. Marcela não gosta muito de fazer as compras nesse dia da semana por lá: as prateleiras parecem ter sido atingidas por um grupo de figurantes do Walking Dead e sobreviventes, com alguns produtos derrubados e outros abertos. Sinal do sucesso!

Paro o carro no estacionamento, que fica embaixo do mercado, mas longe do acesso das escadas rolantes. Há poucas vagas. Pegamos um carrinho de compras e subimos.

O ambiente é bastante familiar. Há até espaço para massagens, cabeleireiro, venda de peixinhos e uma farmácia. Não posso deixar de comentar sobre a musicalidade do ambiente. Naldo e Jorge Vercillo parecem estar no repeat. Naldo toca o Whisky ou Água de Coco, Pra cima! Já Jorge Vercillo tem uma música do homem-aranha. Ponto para o Naldão.

Fico na seção das carnes, pois preciso organizar o churrasco. Com a idade, estou assumindo esse meu lado tiozão. Marcela visita, com o carrinho de compras, diversas seções onde geralmente não sei distinguir um produto do outro. Em 20 minutos estamos no caixa, pedindo o CPF na nota.

Descemos. Paramos o carro longe das escadas rolantes. Cruzamos toda a garagem até o lado oposto, quando começamos a mover as nossas compras do carrinho para o porta-malas.

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Fechado o porta-malas, chega o grande momento da Marcela: levar o carrinho de compras para o seu devido lugar. Preciso frisar que Marcela tem alguns TOCs-positivos, como todos nós. Um deles, por exemplo, é com lixo reciclável: ela pode surtar se alguém não separá-los ou dispensá-los indevidamente. O outro é com a carrinhos de compra de supermercado: é necessário levá-los até seu ninho principal, e nunca largá-los no meio do estacionamento ou nos sub-ninhos (aqueles pequenos grupos de carrinhos que acabam se amontoando pela preguiça de nós, compradores). O ninhão de carrinhos de compra está longe, bem longe, lá no acesso às escadas rolantes.

“Paulo, eu vou levar o carrinho até lá e você me pega na porta de vidro das escadas rolantes, tá?” Tá!

Dou a partida do carro e saio pelo corredor, em direção a saída. Chegando próximo das escadas rolantes, vejo um senhor mais velho, com a aparência muito humilde, de camiseta de futebol pra lá de velha. Ele carrega duas pequenas sacolas do supermercado e vai em direção a um corcel bastante judiado. Minha cabeça começa a pensar nas possibilidades: estou feliz que muitas pessoas possam ter acesso a um supermercado não tão barato quanto o Extra. Como é possível haver alguém que seja contra o acesso universal de bens que antes só a classe média privilegiada tinha? Como é possível haver alguém que seja contra a orkutização dos aeroportos? (sim, esses são os pensamentos que estavam na minha cabeça naquele momento final das compras). Sobre os aeroportos, tenho visto cada vez mais gente tirando fotos de seus primeiros vôos. É facil encontrar algum adulto que esteja viajando pela primeira vez, e é difícil que ele contenha a emoção e a adrenalina, além de querer registrar tudo no seu smartphone! Uma pena algumas pessoas se sentirem incomodadas com isso. Apenas um desses seres é muito combustível para o blog do Sakamoto!

Faço a curva em direção ao posto de gasolina, logo após a saída do supermercado. Vou desacelerando pois há uma cancela. Repentinamente vejo que algo está errado, o meu instinto-aranha-vercillo percebe um vulto em um dos retrovisores.

Sim, o possível bandido que me aborda na saída do supermercado é a própria Marcela, que vem com ar ofegante, me seguindo com passos apertados. Eu só não tomo um susto maior pois, ao mesmo tempo que preciso descobrir quem está do lado de fora, dou pela falta dela!

Aqui tudo acontece muito rápido: fico preocupado, temendo pela minha integridade física, ao perceber que praticamente esqueci a Marcela no supermercado em um intervalor de 2 minutos! E nem no Gmail eu estava! Qual seria o estado de espírito dela nesse momento? Penso tudo isso enquanto aperto o botãozinho do vidro elétrico. Eu vou me desculpar, mas ela está sorrindo e diz que “desde o lugar combinado você estava andando devagar, então eu vinha correndo atrás achando que um pouquinho mais pra frente iria parar!”. Destravo a porta do passageiro, ela entra sem entender muito bem o que eu aconteceu comigo.

Já que ela continua sorrindo, e como nenhuma mentira apropriada me dá na veneta, eu confesso: “Esqueci você!”.

Um simples LOL não basta. É UHhuauahuahuHAuHAuah. É a onomatopéia mais próxima do que aconteceu.

Ela entra no carro, contina sorrindo, e eu gargalhando. Gargalhando ao volante, daquele jeito que dói o abdomen, por grande parte da Ricardo Jafet. O downside da história é que Marcela ficou arisca a ideia de eu levar os futuros bebês no carro sem ela.

Marcela, por favor, dê risada novamente enquanto relembra dessa sua quarta-feira.

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