literatura, religião

A definição de niilismo?

Pondé diz uma coisa, seu professor diz outra e encontramos uma terceira abordagem em Dostoiévski. Passivo, ativo, contemporâneo, trasnvaloração, nenhum valor, etc. Tenho bastante dificuldade.

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Lendo o Homem Revoltado, de Camus, encontrei algumas citações a Nietzsche que parecem se encaixar bem. Infelizmente Camus cita Nietzsche livremente, sem fazer a referência a qual aforismo de qual livro se trata.

“O niilista não é aquele que não crê em nada, mas o que não crê no que existe.”

Para mim, essa definição ajuda bastante. Outras passagens reforçam:

Se o niilismo é a incapacidade de acreditar no que existe, seu sintoma mais grave não se encontra no ateísmo, mas na incapacidade de acreditar no que existe, de ver o que se faz, de viver o que é oferecido“.

Um exemplo disso? “O cristianismo acredita lutar contra o niilismo, porque ele dá um rumo ao mundo, enquanto ele mesmo é niilista na medida em que ao impor um sentido imaginário à vida impede que se descubra seu verdadeiro sentido“. E passa a também raciocinar sobre o niilismo do socialismo.

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A vontade de acreditar em Deus: A Vida de Pi, Dostoievski e Camus

Não é a toa que o jovem Pi aparece lendo Dostoievski e Camus em ‘As aventuras de Pi’.

A grande cena do filme é quando o Pi confronta o escritor, para que ele decida qual a história era melhor: a trágica ou a fábula. No livro, a discussão é feita com os dois japoneses da seguradora. Coloquei o primeiro parágrafo do filme e o restante do livro:

Pi Patel: “I told you two stories that account for the 227 days in between. Neither explain the sinking of the Tsimtsum. Neither make a factual difference to you. You cannot prove which story is true and which is not. You must take my word for it. In both stories the ship sinks, my entire family dies, and I suffer. So tell me, since it makes no factual difference to you and you can’t prove the question either way, which story do you prefer? Which is the better story?”

Mr. Okamoto: ‘That’s an interesting question’
Mr. Chiba: ‘The story with animals.’
Mr. Okamoto: ‘Yes. The story with animals is the better story.’
Pi Patel: ‘Thank you. And so it goes with God.’

A conclusão de Pi é simples: se as duas histórias tem o mesmo resultado, e não há como provar nem uma, nem outra, melhor acreditar em Deus.


Os filósofos que alimentaram Pi na adolescência tem pontos que eu considero a favor e contra.

Em Os Demônios, Dostoievski põe na boca de Chatov, para Stravogin: “Não foi você mesmo que me disse que, se lhe provassem matematicamente que a verdade estava fora de Cristo, você aceitaria melhor ficar com Cristo do que com a verdade?“. É basicamente a mesma questão e exatamente a mesma resposta de Pi!

Nas notas de rodapé da edição da editora 34, há a ligação com o diário de Dostoievski, onde ele diz: “Esse símbolo é muito simples: acreditar que não há nada mais belo, mais profundo, mais simpático, mais racional, mais corajoso e perfeito que Cristo, e não só não há como eu ainda afirmo com um amor cioso que não pode haver. Além disso, se alguém me demonstrasse que Cristo está fora da verdade e se realmente a verdade estivesse fora de Cristo, melhor para mim seria querer ficar com Cristo que com a verdade.”

Camus faz diferente. Em o Mito de Sísifo, ele apresenta três formas de encarar a vida: o suicídio, encontrar um sentido pra vida ou encarar o absurdo que é viver. Encontrar o sentido da vida é divido em dois, mas encarado da mesma forma: acreditar em Deus ou dar um objetivo para você, como “ajudar os pobres”, “defender os animais”, etc. Ele chama ambas as opções de suicídio filosófico, os dois são o salto para a fé (leap of faith), para acalmar corações. Camus renega todos esses tipos de suicídio e vai concluir que você deve viver encarando a vida de frente, com todo o absurdo que é o existir, com todas as contradições. Viver a revolta. Em outras palavras, não vale a pena ficar com a história mais bela…

E, trazendo para um contexto moderno, podemos ver essa entrevista do físico e “neo-ateístas” Lawrence Krauss: “…prefiro pensar em mim não como um ateu, e sim como um antiteísta. Não posso provar sem sombra de dúvidas que Deus não existe, mas posso afirmar que preferiria muito mais viver num universo em que ele não exista… Se existisse um Deus, ele certamente teria deixado de se preocupar com os desígnios do cosmos logo depois de criá-lo, há 13,7 bilhões de anos, pois tudo o que aconteceu desde então pode ser explicado pela ciência. Não, Deus talvez não seja irrelevante. Ele é redundante.”

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Sidarta e a fuga de nós mesmos

Kundun e o Pequeno Buda eram meus únicos contatos com o budismo.

Os pais de Hermann Hesse serviram numa missão protestante para difundir o cristianismo na Ásia, especialmente na India. Hesse vai conhecer o país já bem mais velho, quando se interessa mais pela religião e pelo budismo. No livro Sidarta, Hesse conta a história dessa personagem (não confundir com Sidarta Gotama, o Buda, que também é personagem no livro), saindo da alta casta religiosa, para virar um asceta. Depois de alguns anos vai conhecer a luxúria, a cupidez, o amor de uma mulher e de certa forma constituir uma família, para então atingir o nirvana ao se tornar novamente um asceta.

Durante o percurso, temos reflexões de fácil entendimento e de muita beleza, sobre relacionamento com pais, Deus, amor, riqueza e outros temas essenciais. Em busca de paz e sabedoria, seu amigo Govinda sempre recomenda a meditação. Meditação que hoje está em alta, e todo bom pseudointelectual já gastou um tempo estudando alguma técnica.

O que é a meditação? O que é o abandono do corpo? Que significa o jejum? E a suspensão do fôlego? São modos de fugirmos de nós mesmos. São momentos durante os quais o homem escapa à tortura de seu eu. Fazem-nos esquecer, passageiramente, o sofrimento e a insensatez da vida. A mesma fuga, o mesmíssimo esquecimento, o boiadeiro encontra-os na estalagem , quando bebe algumas tigelas de vinho de arroz ou de leite de coco fermentado. Então cessa de sentir o seu eu, cessa de padecer de dores, anestesia-se por algum tempo.

Misturam-se fugir e encontrar. Essa tentativa de nos encontrarmos parece ser em vão, e é mais fácil se confortar com qualquer escapismo.

Há ainda uma analogia com o arco e flecha que me lembrou de um conhecido trecho de Gibran:

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas. O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força. Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe

A personagem do balseiro Vasudeva é quem mais me impressiona. Praticamente nada fala. Gosto muito dessa ausência de palavras, focando na arte de escutar, e Sidarta tenta aprender essa virtude do amigo:

Aperfeiçoava-se na arte de escutar, de prestar atenção com o coração quieto, com a alma receptiva, aberta, sem paixão, sem desejo, sem preconceito, sem opinião.

Em O mito de Sísifo, Camus abre o livro com um antológico “existe apenas um problema filosófico realmente sério: o suicídio“. Em Sidarta, o suicídio também está presente e é cogitado. Em O Lobo da Estepe, o protagonista havia prometido suicidar-se aos 50 anos; Dostoiévski diz que ninguém deveria ter o castigo de viver após seus 40 anos, em Memórias do Subsolo. Tema muito recorrente entre os romancistas com um pé no existencialismo.

Excelente livro, abordando todos os assuntos que nos fazem sofrer e refletir, em um pequeno número de páginas.

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